A pele, como revestimento, realiza várias funções: protege o corpo contra a invasão de corpos estranhos, regula a temperatura corporal, sensorializando o frio, o calor, a pressão; nela há terminações nervosas e órgãos sensoriais para a percepção da viscosidade, dureza, aspereza, maciez, umidade; a camada externa de células mortas (a queratina), sempre descamando e se renovando, é um revestimento bastante impermeável à perda de água e resistente ao atrito.
Por um lado, a pele serve fisicamente de proteção; mas por outro, é objecto de cobiça dos sentidos, mantendo a mente apegada às ilusões do mundo sensorial, reparar o quanto investimos na nossa aparência física, pois que muito do nosso relacionamento com os outros e com a nossa auto-imagem é influenciado pela percepção e valorização da imagem corporal. Não há nada de errado em cuidarmos de nossa aparência física. Manter o corpo limpo e com aparência saudável é bom. O problema é o apego. Subjacente ao apego à nossa aparência está a raiz da ignorância: por detrás da relação com a nossa auto-imagem, principalmente a facial (“espelho, espelho meu”), está a noção de um “eu” que se identifica com o corpo. E nesta identificação, o rosto ganha um lugar marcante. Por isso os salões de beleza e centros de estética facial crescem como cogumelos e têm tanto sucesso. O “valor de mercado” da nossa aparência facial no mundo social é grande: afecto e auto estima são negociados, em variados graus, através do modo como vemos e somos vistos nas nossas aparências. A a um nível mais profundo, todas as vezes que nos olhamos no espelho, lá está reflectida essa noção: “Isto sou eu!”. E esta noção de uma identidade eu-ego-corpo é uma delusão, uma construção criada pela ignorância sobre a natureza insubstancial dos agregados corpo-mente.
Desta visão distorcida surge a lamentação: a boa aparência e a pele sensual trazem ganhos de prazer; sem isto como vamos viver? É certo, se não trouxesse alguma gratificação, não investiríamos recursos, como dinheiro, tempo e energia. Não há nada de errado no experienciar certo prazer gerado pelo contacto dos sentidos com os objetos correspondentes: imagens (consciência visual), sons (consciência sonora), aromas (consciência olfactiva), gostos (consciência gustativa), tactos (consciência corporal ou táctil, através da pele) e pensamentos agradáveis (consciência mental). A questão é: o quanto dependemos disto? Que grau de clareza temos sobre essas dependências? Quando experimentamos sensações desprazerosas, perdas ou ausências desses ganhos sensoriais, o que acontece com a nossa mente? Permanecemos equânimes, emocional e mentalmente equilibrados? A verdade é que quase sempre sofremos: irritação, raiva, desapontamento, tristeza, frustração, queda na auto-estima, depressão.
Podemos retardar, mas não impedir esses processos: são inevitáveis porque tudo que é condicionado é impermanente (anicca). Compreendendo e aceitando esta lei fundamental, podemos gradualmente ir substituindo essa dependência por valores mais profundos, como a sabedoria, a compaixão, o afecto sem expectativa de retorno. Na Meditação da Atenção Plena (Mindfulness) treinamos o cultivo da visão clara da realidade (vipassana), percebendo e aceitando a verdade da impermanência.
Podemos aplicar para a nossa aparência o mesmo treino, cultivado com a respiração: reconhecer, aceitar, investigar, não se identificar.
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