Uma das dúvidas mais frequentes que tenho testemunhado no contacto com muitas centenas de praticantes e aspirantes a praticantes de meditação relaciona-se com a categorização das práticas meditativas. Neste artigo encontrará uma tipologia proposta pela ciência, procurando-se também integrar estas categorias com as práticas Budistas.
Tipos de Meditação
Numa primeira abordagem, Davidson e Goleman (1977) criaram uma classificação em que as práticas de meditação podiam ser divididas em:
1. Concentração e;
2. Consciência (awareness).
Posteriormente, Lutz, Slagter, Dunne & Davidson (2008) propuseram a seguinte estrutrura:
1.Atenção-Focada (AF) e;
2.Monitorização Aberta (MA).
As Práticas AF são baseadas na concentração da atenção sobre um determinado objecto externo, corporal ou mental, ignorando todos os estímulos irrelevantes.
Ao contrário, as técnicas de MA tentam ampliar o foco de atenção a todas as sensações recebidas, emoções e pensamentos de momento a momento sem focar em qualquer um dos eles (Lutz, Slagter, Dunne, & Davidson, 2008). Diferentes escolas de meditação podem ser colocadas num contínuo entre estes dois pólos (Andersen, 2000; Wallace, 1999), e a maioria delas usam os dois tipos de práticas complementarmente.
Qual é a relação desta tipologia com as práticas Budistas?
Estas duas formas de meditação, AF e MA, correspondem a dois tipos de meditação preconizados pelo Budismo há mais de 2500 anos e denominadas:
1. Shamata,
que significa calma ou tranquilidade. É uma meditação baseada na concentração e corresponde à AF.
2. Vipassana/Insight,
que significa visão penetrante, ver 'para além'. Corresponde à MA.
1. Na prática de Shamata procura-se focalizar a atenção num único objecto ou suporte (por exemplo, a respiração, a chama de uma vela ou um mantra). Embora qualquer suporte possa ser utilizado, um dos objectos de focalização muito comum é a Respiração. Durante a prática, quando a atenção começa a divagar é propositadamente trazida de volta para o objecto de foco, para o suporte. Com o tempo de prática, este onepointedness ou a capacidade de concentração unifocada no objecto, sem distracção, será cada vez maior. O progresso é feito quando o praticante torna-se menos vulnerável quer às distracções exteriores, tais como sons, bem como às distracções interiores, incluindo pensamentos, sentimentos ou sensações.
2. Na prática de Vipassana procura-se desenvolver 'sabedoria', o conhecer a verdadeira natureza da coisas e por isso também se denomina de meditação de insight. A sua ferramenta básica é a prática de mindfulness, que tem sido traduzida como “Atenção Plena”. Pode ser perspectivada como uma prática baseada na experiência do momento presente, numa atitude aberta, curiosa, não-julgadora e de aceitação. Então Vipassana é insight, no sentido de uma visão profunda e é mindfulness, no sentido de atenção extraordinária ancorada no momento presente.
Vipassana distingue-se de Shamata uma vez que o praticante concentra a sua consciência no momento presente, em vez de se concentrar num estímulo em particular. Não há rigidez da atenção num único estímulo. É possível praticar a atenção plena ao longo do dia, durante a execução das tarefas quotidianas, tais como comer, dirigir, lavar a louça, etc...
Pode ser ainda considerada uma terceira categoria:
3. Compaixão e Bondade/Amor Ilimitados
Embora distintas, podem ser consideradas da mesma 'família'. Estas formas de meditação cultivam atitudes e sentimentos de bondade ilimitados e de compaixão para com os outros, sejam eles parentes próximos, estranhos ou mesmo inimigos. Estas práticas implicam estar consciente das necessidades da outra pessoa e experimentar um desejo sincero e compassivo de ajudar essa pessoa e/ou aliviar o seu sofrimento. Gerar um estado compassivo envolve, por vezes, que o meditador sinta o que a outra pessoa está a sentir. Mas isto não é suficiente, a meditação deverá ser conduzida por um desejo não egoísta de de ajudar quem está em sofrimento.
Estas formas de meditação no amor incondicional e na compaixão provaram ser mais do que apenas exercícios espirituais. Demonstrou-se já que possuem o potencial benéfico em Profissionais da área da saúde, professores e outras pessoas que correm o risco de esgotamento (burnout) emocional.
(ver próxima formação de MINDFUL SELF-COMPASSION)
O praticante começa por focar um sentimento incondicional de benevolência e de amor pelos outros e por si próprio, acompanhado pela repetição silenciosa de uma frase que transmite a intenção, como por exemplo: "Que todos os seres encontrem a felicidade e as causas da felicidade e que sejam livres de sofrimento e das causas do sofrimento".
Estes tipos de meditação são fundamentais para o budismo, e são cada vez mais praticados regularmente.
AF/Shamata e MA/Vipassana são faces da mesma 'moeda'. AF/Shamata dirige o poder da concentração. A concentração fornece a base através da MA/Vipassana pode penetrar num nível mais profundo da mente. Estas duas formas de meditação devem ser cultivadas em conjunto numa proporção equilibrada. Demasiada consciência sem calma para equilibrá-la irá resultar num estado fortemente sensibilizado. Muita concentração, sem uma relação de equilíbrio de consciência, irá resultar em demasiado torpor ou sedação. Ambos devem ser evitados.
De acordo com a tradição contemplativa budista a Compaixão e Bondade/Amor Ilimitadas não conduzem à angústia e/ou ao desânimo, mas reforçam um equilíbrio interior, uma resiliência mental, e cultivam uma corajosa determinação para desejar o bem a tudo e a todos e a ajudar genuinamente aqueles que sofrem.
Referências Bibliográficas
Andersen, J. (2000). Meditation meets behavioural medicine: The story of experimental research on meditation. Journal of Consciousness Studies, 7, 17–73.
Davidson, R. J., & Goleman, D. J. (1977). The role of attention in meditation and hypnosis: A psychobiological perspective on transformations of consciousness. International Journal of Clinical and Experimental Hypnosis, 25, 291–308.
Lutz, A., Slagter, H. A., Dunne, J. D., & Davidson, R. (2008). Attention regulation and monitoring in meditation. Trends in Cognitive Sciences, 12, 163–169.
Wallace, B. A. (1999). The Buddhist tradition of Samatha: Methods for refining and examining consciousness. Journal of Consciousness Studies, 6, 175–187.
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